quinta-feira, julho 13, 2006

Para balanço

É verdade, há muito tempo que não fazia uma actualização a esta "casinha" abrigada de ventos e tempestades. E já me fazia falta aqui voltar. Senti-me mesmo mal por não o fazer durante uma série de dias seguidos. Não que alguém ficasse triste ou lamentasse esta temporária ausência, mas porque eu próprio me sentia em dívida para com a minha criação blogoesférica. E é essa, no essencial, a razão que me fará voltar: um compromisso meu para comigo mesmo. Nada mais (e já não é pouco).

Nunca cheguei a explicar os fundamentos que me conduziram a erigir este postigo cibernético. Mas parece que se impõe fazê-lo por estes dias, como poderão perceber mais à frente. É, pois, chegada ahora

O blogue aqui em causa tinha, primeiramente, uma finalidade despretensiosamente intimista, que resultaria na actualização quase diária de uma realidade futura muito distinta relativamente à que actualmente vivo e a qual, a meu ver, impunha a sua criação e desenvolvimento. Um capítulo novo que se abriria em moldes similares a um qualquer registo e apontamento de notas sobre uma qualquer viagem mais ou menos aventuresca, a léguas dos espartilhados horizontes que os pacotes de férias incessantemente oferecem.
Seria, por isso, o espelho da alma de um viajante, mais do que a de um turista. O retrato possível do seu sentir, das suas expectativas, das suas emoções, dos seus anseios e devaneios (mais destes últimos, suspeito...eheheh).

O tempo foi passando e construindo em cima dos seus ombros um muro que me voltava a retirar o horizonte anteriormente traçado como certo. Mas afinal, o certo não era verdadeiramente certo e este mudar de vida acabou mesmo por não ver a luz do dia.
O muro foi-se edificando, pedra sobre pedra, e eu fui paralelamente interiorizando que, afinal, este desafio não iria sequer sair do papel.
Já tinha um expectativa e uma enorme vontade de o viver. Não foi possível, nem sempre é, mas ainda assim fica a certeza de que independentemente do seu epílogo seria mais um desafio que, com maior ou menor dificuldade, saberia levar de vencida. Nunca foi diferente e estou convicto que assim continuaria a ser.
Às vezes, parece uma mera atracção pelo abismo, pelo desconhecido, por tudo aquilo que se esconde e que queremos descobrir. Sobretudo dentro de nós. E é precisamente aqui que estão as maiores e mais preciosas descobertas, não duvido.

Não que se tenham esgotado os desafios do amanhã, apenas e só que aquele que se vislumbrava no horizonte, passou a constituir pouco mais do que uma vaga e intermitente miragem da minha memória sobre algo que não foi mas podia e devia ter sido. É sobretudo isso que me custa.

Sendo os factos o que são e a vida o que dela vamos (ou não) fazendo, este meu olhar blogoesférico foi ficando esvaziado de sentido à medida em que este desafio se foi igualmente desvanecendo.
Aliás, foi nítido que, enquanto aguardava inquieto por aquilo que seria um exílio mais ou menos consentido, o conteúdo do blogue se foi tornando mais mundano e frívolo, mais atento a questões que à partida não pensei que pudessem vir a ser contempladas. Mas isso foi uma inevitabilidade face à inexistência de avanços na concretização do desafio que adivinhava como certo. Daí, à política, ao futebol, ao mundo, à boa mesa e às trivialidades foi um pequeno passo, não de mágico como o Deco, mas, ainda assim, um passo que me deu sincera satisfação pessoal.
É, pois, hoje este o dilema com o qual me debato: continuar ou não continuar? É que tudo começou por uma necessidade minha de o criar, uma necessidade assim mesmo: egoísta, a pensar em mim. E agora que se desvaneceu a sua causa criadora, apenas ficou o exercício da escrita (ainda que trolha) que se veio a revelar um vício que, sinceramente, me custa agora abandonar.
A ponderar...

terça-feira, julho 04, 2006

À prova de ressabiados, como eu...

Lourenço Viegas de sua graça, é actualmente o crítico gastronómico que mais respeito. "Conheci-o" pelas críticas quinzenais que dá à estampa no Jornal de Negócios à 6ª feira. Espírito livre e cáustico q.b., dotado de um azedume para dar e exportar, este Viegas é um ribatejano da mais pura cepa (já viram, estou a absorver a "nacionalidade" ribatejana). Do que leio da sua lavra, ressalta sobretudo a ideia de que não embarca em carnavais em que a qualidade da cozinha é relegada para segundo plano em favor de abstracções conceptuais de circunstância, como sejam as modas mais ou menos estéreis que muitas vezes "pegam de estaca" em muitas casas deste largo pasto.
O seu lema reflecte tudo: "Dizer mal para comer melhor". E estou completamente de acordo, o grau de exigência dos clientes é cada vez mais vulnerável a determinadas ondas de costumes e tiques sociais em nada sincronizados com a qualidade do serviço prestado nesses restaurantes. E menos condizentes ainda com os preços normalmente praticados.
Mas este Lourenço não vai em cantigas, e para ele o importante num restaurante há-de ser sempre e sempre a qualidade dos pratos que serve e não o conceito ou o status adveniente de comer por esses botecos. Acredito que seja não raras vezes demasiado assertivo ou pouco complacente com os ambientes que os owners sempre pretendem transmitir aos espaços que criam. Mas há uma coisa que é certa: a comida é o fundamental. E sem palhaços não há circo.
Tem prosas soberbas sobre vários restaurantes, das quais destaco a análise sagaz ao restaurante "A Travessa", com a qual, diga-se, não podia estar mais de acordo. Assino por baixo e em caixa alta.
Agrada-me sobretudo o facto de as suas perspectivas constituirem uma garantia de que não vou ao engano. Se diz que é bom (o que é raro), é porque roça a excelência. Caso contrário, é uma questão de baixar o grau de exigência que sempre imprime nas suas críticas e escolher livremente, tendo em atenção a maior ou menor relevância dos pontos fracos apontados.
É o caso, por exemplo, da sua mais recente crítica ao restaurante La Moneda (que passo a citar abaixo). Longe de ser um deslumbre, é um restaurante que não desmerece. Com um conceito visual bem cuidado e uma cozinha que se apresenta agradável à vista, aponto-lhe os defeitos similares que este mestre da crítica lhe reconheceu. Atraso no serviço e algum amadorismo ou ansiedade com que tentam conjugar uma infinitude de ingredientes (sobretudo doces) num mesmo prato. Acrescento-lhe um outro pecado original: o muito ruído que os comensais provocam numa casa que aparentemente se esperava de décibel mais recatado. Para não falar de um Catarina branco, que por razões várias e diversas, acabou por não dar a melhor maridagem a um jantar, ainda assim, de simpática memória.
Confirmo, por outro lado, o ponto forte: as sobremesas. Quer dizer, pelo menos o strüdel de maçã quente que me tocou em sorte meeira. Deu mesmo direito a juras de regresso só para dar largas a esta minha fraqueza pelo dito. Regresso quase tão lendário como o de D. Sebastião de terras mouriscas.
Última observação para dar nota que tudo isto se passou há muito, muito tempo, ainda o La Moneda era uma criança e a frequência não tão sexualmente diferenciada, como parece ser agora o caso. De qualquer forma, sempre será uma razão acrescida para se caprichar e ir deslumbrantemente acompanhado, por forma a evitar o "mau olhado".
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La Moneda (Lisboa)
A má moeda. Uma vez tentaram vender-me um sofá por seis mil euros. Mas eu não estava a "comprar um sofá", dizia a arquitecta, estava a "comprar um conceito. Porque hoje um sofá já não é apenas um sofá". Pois não.Também no mundo da comida há muitos restaurantes que já não são apenas restaurantes. São um conceito. Invariavelmente ficam na moda, invariavelmente o serviço é demorado, invariavelmente a comida é uma porcaria, invariavelmente acabam por fechar.No La Moneda, o conceito é o “food and movement” (tipo McDrive ?!). Nas paredes são projectados slides de quadros e cadernos de viagem de artistas, "num ambiente que nos transporta para o imaginário de paraísos desconhecidos" – ou qualquer outra lamechice deste género que se pudesse ler na badana da ementa, ou naqueles textos de revistas e jornais que adoram promover restaurantes-conceito.E não há pior do que a mistura restaurante-galeria-de-arte, que parece, contudo, ir fazendo algum sucesso.Numa sala escura, bastante público sexualmente diferenciado e alguns casais convencionais. Destaco dois colegas de trabalho a fazerem jus ao conceito de food and movement. Primeiro, analisaram uns relatórios "lá da empresa" e ela fazia um ar interessado, rematando sempre o levantar de sobrancelhas inteligente com um "completamente". Ele explicava os números. Tal como tinham dito em casa, estavam num jantar de trabalho. No fim, sem papéis, e com algum vinho, a conversa era pegajosa, o copo circulava nos dedos e ela trincava o lábio enquanto o ouvia. Ele pagou. Adoraram o La Moneda e vão voltar. Mas não se lembram do que comeram. Mas eu lembro: cozinha do mundo, adocicada e a saber sempre a gengibre.Ceviche - que é um prato da América-latina, da costa do Pacífico, de peixe marinado em lima, cebola, coentros e tomate - levemente interessante, e desajustado na sala sombria; lombo de vitela com cogumelos portobello e crosta de legumes, criativamente chamado lombo-bello!, tenro mas sem graça, nem verdadeira crosta; um crepe malaio de corvina, gambas e gengibre e coco, enjoativo; corvina com escamas de cogumelos (a ligação peixe cogumelos corre quase sempre mal, e não foi esta que correu bem).No La Moneda, tenta-se fazer cozinha de fusão (que por esse mundo é tão novidade e tão na moda como o Renault 19 Chamade), mas faz-se cozinha confusão: exagera-se no doce, no número de ingredientes por prato, no querer ser diferente.As sobremesas estão um ponto acima do resto (aliás, li algures que o dono/cozinheiro considera mesmo que no seu restaurante as entradas e as sobremesas são melhores do que os pratos…): destaco a tarte de chocolate e a mousse de papaia com um bom gelado de manjericão e lima.O serviço é coerente: empregados bonitos, simpáticos e ineficientes trazem os pratos na hora certa. Ou melhor, uma hora certinha depois de terem trazido o anterior. E os preços são altos, mesmo se os não compararmos com a qualidade.Felizmente, a lei de Gresham não se aplica na restauração: os maus restaurantes acabam por se expulsar a si próprios. Como a loja do sofá dos mil e duzentos contos, que hoje é uma agência do Banif.Melhor: Sobremesas.Pior: A confusão de sabores.Pontuação: Sem estrela(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)La Moneda, Rua da Moeda, 1 C, Lisboa, Tel: 213 908 012, 10h00 – 02h00, encerra Domingo, aceita cartões, 35€/pessoa. "
in www.contra-prova.blogspot.com por Lourenço Viegas