sexta-feira, outubro 27, 2006

The yellow submarine...

Existem, como todos sabemos, mil e um critérios para tentar definir uma metrópole. Todos eles aceitáveis mas todos eles naturalmente limitados e insuficientes por si só. Assim, dentro desta vasta panóplia de possibilidades que se me abriam no horizonte turvo desta 6ª feira à noite, acabei por eleger o critério dos táxis e do trânsito na capital das pampas para dar uma ideia, no mínimo singular, do País.
Dirão uns que é descabido, mas se há coisa que no meu espírito de viajante me salta rapidamente à memória nos sítios por onde passo, é certamente a relação dos táxis e do seu respectivo motorista com a minha pessoa. Parece ridículo, mas vejam lá se não é este dos primeiros cartões de visita que são mostrados a qualquer forasteiro paraquedista?
Poderia dizer que Amesterdão, a esse nível, é uma cidade em que os taxistas brasileiros (muito amigos de ajustar as corridas tipo feira do regateio, indiferentes a qualquer táximetro -se é que chega a andar ligado) parecem uns autênticos meninos do coro. Os fogareiros são exclusivamente da zona do médio oriente: Afeganistão, Palestina, Paquistão, etc, etc, que, para além de verdadeiros larápios à mão armada e a quatro rodas, ainda nos obrigam, como sinal de penitência de acedermos ao seu negócio usurário, a "papar" as belíssimas músicas da saudosa mãe pátria que só um macho assumidamente poligâmico como os daquelas paragens conseguem provavelmente entender e apreciar. Pareço retrógado? Não ouviram certamente as ladaínhas em questão.
Dito isto, apenas acrescentar que adorei a cidade "vermelha" à excepção da zona da cor em causa. De resto, cinco estrelas e claro, uma bibicleta para fintar aquela tropa maldita.
Buenos Aires é uma cidade, à semelhança de Amesterdão, completamente plana, como que esquadrinhada de forma tão uniforme, que uma mesma rua pode atravessar numa recta quase perfeita a cidade de uma ponta a outra. Portanto e ponto nº 1 : de táxi só se anda com o nº de porta da rua desejada ou com a rua que com a carretera de destino se intercepciona. É que não é raro as ruas porteñas terem para cima de de dez milhares de números de polícia.
Os táxis são pretos com tejadilho amarelo-ovo de outros tempos. Na sua maioria bastante antigos, a combinar com os tempos idos em que as gemas eram verdadeiramente amarelas, deixando uma marca bem notória das agruras económicas de que o País ainda vai, a pouco e pouco, tentando sair.
Há uma coisa que é quase certa. Apanhar táxi em BA é como querer tapas ou cañas em Espanha. Em toda a esquina está um. Mesmo que não o esteja a ver. Mas vai estar, seguramente. Não me atrevo a lançar números, mas são muitos milhares. Recordou-me uma cidade nos antípodas, Nova Iorque, é que, de facto, em 5 carros, 3 ou 4 são calimeros com a gema de fora.
Os taxistas são gente, em geral, bastante potável e não lusitana e excessivamente conversadores. Sobretudo, são profissionais e não demonstraram, com uma desafortunada excepção, que a ideia (deles) é levarem os clientes a dar uma "volta" pela cidade. Não, vão directos ao destino pelo caminho mais curto. Acreditem que passados que estavam uma dezena de dias na cidade e cerca de 50 corridas depois, já estávamos aptos a controlar o próprio trajecto. Mas a questão verdadeiramnete não se punha.
Este é, provavelmente, o meio de transporte mais utilizado em Buenos Aires. A este facto não anda dissociado o preço bastante convidativo, sobretudo para quem vem munido de dolares ou euros. Mas, ainda assim, de valor razoável para os nativos. Uma corrida pode quedar-se por menos de 2 euros. Se tivermos em conta que cá no burgo só para sentar na napa plastificada e igualmente bafienta, nos pedem quase € 4, fica-se logo com vontade de trocar de estofo e comprar passagem para Buenos Aires.
Em resumo, para além do Metro com uma linha cujas estações merecem visita turística (julgo que é a amarela...) o táxi é o meio ideal para deambular pela cidade.
O trânsito da ciudad porteña rege-se por regras absolutamente non sense, em que pontua de forma destacada, a regra da inexistência delas próprias, tal é, à primeira vista, o caos automobilístico em que se transformam as principais e mais largas artérias da cidade.
Assim, não se chega a perceber qual a justificação para a marcação de faixas de rodagem no piso, dado que, de forma unânime e pelos vistos com convicção de obrigatoriedade, das mesmas fazem os automobilistas tábua absolutamente rasa.
A ideia de circulação tem um princípio simples e básico: não bater! A partir daí vale tudo e a condescendência dos convivas motorizados aconchega as diatribes que os vizinhos, em dinâmica de cascata, vão desenrolando nas barbas do "nosso" yellow submarine.
Há algo nisto tudo um pouco terceiro mundista, mas não é menos verdade que, vistas bem as coisas do banco traseiro dos chaços em que nos arrastamos, toda aquela aparente confusão kamikase é gerida com uma calma conventual que deixa qualquer um nativo do chamado 1º mundo verdadeiramente envergonhado.
É que, entre todo este ziguezaguiar, não há lugar para buzinadelas estéricas próprias de quem "corre" atrasada para fazer umas unhas à francesa na Nails Us (será este o nome? é que eu tenho uma aversão a Franceses, por isso perdoem-me lá este provável lapso) e que, posta essa ou outra urgência de idêntico calibre, perdem as estribeiras, para não dizer que estragam o verniz. E não digo porque o verniz no nosso trânsito já estalou vai para muito tempo e o que nos resta agora são mesmo as unhas (cada vez mais ratadas) para ir tentando tocar a guitarra cada vez mais desafinada em que se transformou o quotidiano.
Mas não divagando mais, nota-se que no meio daquele salve-se quem puder, os condutores deixam os típicos espertalhões "meterem-se à má fila", que é como quem diz, toda a gente. Sem que com isso se ponha em causa a virilidade, a honra e a dignidade do condutor ultrapassado pela direita, entre um lancil lambido e um retrovisor apenas esquivo no último segundo da passagem de mais um artista automóvel.
Em conclusão, aquilo que à partida parece ser um caldeirão sem rei nem roque, é serenamente gerido com tal mestria e sem stress que eu, do alto da minha vasta cabeleira, tiro o meu melhor chapéu de côco.