quarta-feira, junho 21, 2006

Vidinha ribatejana

Volta não volta e os suspeitos do costume decidem organizar mais uma patuscada numa qualquer taberna da região escalabitana. Hoje foi um desses dias. O eleito, um tal de restaurante Ramiro, situado nas Caneiras, bem junto à margem direita do Tejo. Sítio tão sem graça quanto original pela construção palafítica a que a subida do leito obriga.
A ementa, prévia e criteriosamente escolhida pelos confrades, assentava basicamente num arroz de polvo, o qual segundo rezavam muitos, era efectivamente de excepção. Confesso que não me entusiasmei, afinal o melhor arroz de polvo é feito em casa pela senhora minha mãe. Com muito aprumo, paciência e esmero porque os homens lá da casa estão habituados ao melhor e por isso, exigência não lhes falta, o que lhes (nos) falta mesmo é o saber e querer fazer.
A dita tasca resume-se a uma grande sala em que, qual refeitório, trolhas e engravatados sem distinção "atacam" com assiduidade as comezainas que a cozinha, com mestria, prepara diária e indistintamente para uns e outros. Tudo isto para dizer que se está perante um ambiente perfeitamente banal no que toca ao "estar" e decoração (ou falta dela) reinante.
Mas isso são pormenores. O que nos levou àquelas paragens era mesmo o polvo e seu respectivo arroz e não os telhados típicos de um qualquer gimno-desportivo. E valeu a pena. A iguaria, cozida na hora, vinha malandra e saltitante, como é da praxe. No ponto "C" (de certo) de cozedura, equilibrado no sódio e puxado na malagueta, pedia a todos os santinhos um acompanhamento à altura. Por mim, era tinto (é um defeito, confesso), mas perante o resultado do plebiscito rapidamente improvisado, a escolha, face ao farto calor reinante, acabou por recair num branco da região de Santarém. Vinha da Gouxa de seu nome, algures oriundo de Alpiarça, apresentou-se bem fresco, frutado, ligeiramente gaseificado e muito guloso. Até demais, dirá quem comigo se cruza no pós-repasto.
Tudo isto para concluir que, embora Santarém não seja uma terra gastronomicamente muito dotada, o Ramiro (nas Caneiras) é, sem dúvida, um porto seguro onde acostar o estômago, quando este parece começar a querer desfalecer perante o triste panorama de garfo e faca escalabitano . De atendimento "terra a terra", simpaticamente informal como é norma ribatejana, esta casa tipicamente vocacionada para almoços, apresenta um sem número de outros pratos muito honestos na confecção (fataça na telha, etc) e sobretudo, muito conseguidos na sua relação com o preço. Especialmente para quem está habituado ao "assalto à mão armada" usualmente praticado por terras da capital, o Ramiro encarna certamente a figura bíblica do "bom samaritano", tal é a miséria do que pede em troca de tanto quanto oferece em prazer.
Dito isto e tudo somado, se querem deliciar-se com o melhor arroz de polvo já provado fora de portas caseiras, o Ramiro é opção certeira. Se fica fora de mão, então o melhor é falarem com a senhora minha mãe e marcarem, o telefone é o 93... queriam, não queriam? É bom, mas não é para todos, só para os eleitos...ou convidados.